O ciclo de canais, uma nova abordagem para impulsionar o crescimento do negócio intermediado
Imagine que os seus intermediários o consideram a primeira escolha para os seus clientes. Isso impulsionaria o crescimento na sua empresa?
Ser a primeira escolha dos intermediários não é impossível, mas é preciso ter as ferramentas certas. Uma delas é o ciclo de canais.
Algumas histórias
Há algum tempo, estava em reunião com o CEO de um dos intermediários da minha empresa – um mediador de seguros – a discutir como colaborar para fazer crescer o negócio do mediador (e consequentemente o da minha empresa). O mediador dizia que a nossa oferta não era suficientemente competitiva. Então fiz-lhe algumas perguntas:
Recentemente, quando estava a fazer um trabalho de consultoria para um produtor de vinhos, observei que a rentabilidade da empresa tinha diminuído em 2020 e 2021. Nessa altura fiz algumas perguntas ao diretor geral:
Noutra empresa, um importador de equipamentos de cozinha e sanitários de muito prestígio e instalados à medida, perguntei ao CEO quais eram os canais mais importantes da empresa. Ele disse que só tinham um canal de vendas personalizadas. Então perguntei:
Estas histórias demonstram a visão incompleta, tanto da parte dos produtores como da parte dos intermediários, sobre a relação de parceria entre ambos. Os intermediários são clientes (intermédios) dos produtores (mesmo que não comprem e apenas intermedeiem as vendas, como no caso dos mediadores de seguros e dos arquitetos), mas apenas têm relação com os produtores para vender aos seus clientes, ou seja, são inevitavelmente parceiros de negócio.
No primeiro caso, o posicionamento do mediador de seguros revelava uma mentalidade de comoditização. O mediador considerava-se o paladino dos seus clientes, negligenciando os interesses das seguradoras que são os seus parceiros de negócio. Mesmo depois de muitas décadas no mercado, não conseguia crescer porque teimava em ter o posicionamento “ficção”, ilustrado no diagrama abaixo:
É senso comum que existe uma correlação elevada entre qualidade e preço, dentro da faixa “frugal-prestígio”. O posicionamento “ficção” revela foco no curto prazo, não é credível ou, mesmo que ocorra pontualmente (por exemplo quando uma empresa quer ganhar quota de mercado rapidamente sem ter rentabilidade), não é sustentável. O posicionamento “abuso” também revela foco no curto prazo e tem um enorme risco de reputação e de sustentabilidade no mercado. O mediador precisava de uma mudança de abordagem na relação com os seus parceiros na cadeia de valor, tanto seguradoras como clientes, para conseguir crescer sustentadamente. A minha empresa precisava de continuar a monitorizar o comportamento do mediador para decidir se o despromovia para a categoria de intermediário fraco ou se podia evoluir de categoria.
No segundo caso, o produtor de vinhos reagiu aos efeitos nefastos que o governo provocou na sociedade por causa da covid, tendo recuperado em 2021 depois de um ano de prejuízo em 2020. No entanto, privilegiou as vendas sem ter em conta a rentabilidade. O produtor de vinhos precisava de adequar a dimensão da sua equipa comercial ao potencial de negócio dos seus distribuidores, usando o que se designa de abordagem “duplo Pareto”, que consiste em concentrar a dedicação de tempo dos gestores comerciais nos intermediários medianos com maior potencial:
DEDICAÇÃO | TIPO DE INTERMEDIÁRIO | COMPORTAMENTO |
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20% | TOPO | Fortalecer a confiança, nos poucos momentos de contacto |
60% | MEDIANO | Acompanhar intensivamente, contactando com frequência |
20% | FRACO | Dar suporte de forma reativa, sem gastar muito tempo |
No terceiro caso, a empresa não reconhecia os intermediários na venda como seus clientes intermédios, precisava de desenvolver a sua pirâmide de marketing e categorizar alguns intermediários como clientes estratégicos.
O ciclo de canais
Ser a primeira escolha dos intermediários é difícil, não se pode improvisar. A única maneira é ter uma abordagem sistemática de relacionamento com os intermediários. Não interessa se o seu canal de vendas é B2B2C ou B2B2B, tem de executar todas as atividades necessárias para se destacar. Daí o ciclo de canais.
O ciclo de canais representa o ciclo anual de gestão do relacionamento com os intermediários, desde o planeamento até à aprendizagem resultante da sua execução e dos resultados alcançados.
O ciclo de canais tem oito macro-atividades:
ACTIVIDADE | DESCRIÇÃO |
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PLANEAR | Nesta atividade, precisa de criar as condições para o sucesso do canal:
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ESTABELECER | Esta atividade consiste em estabelecer contratos de distribuição com os intermediários, tendo em conta o plano territorial do canal (expansão, redução ou manutenção dos intermediários). Estabelecer contratos de distribuição é um misto de venda (que deve ser executado de acordo com o ciclo de vendas) e recrutamento de uma equipa de vendedores (não é aconselhável usar o teste do espelho, o qual consiste em recrutar todos os que conseguem embaciá-lo com o bafo). |
CAPACITAR | Quanto melhor capacitados estiverem os intermediários, melhores serão as vendas. Não apenas porque têm mais competência, mas também porque têm mais confiança na empresa produtora. É preciso compreender que os intermediários emprestam a sua reputação ao produtor e querem manter os seus clientes a longo prazo, por isso só vendem o que estão confortáveis em vender. Cabe aos gestores comerciais executar o plano anual de capacitação, em que foram definidas as condições aplicáveis para a concretização da formação, do apoio e da oferta de equipamento. |
VISAR | As métricas e os objetivos para cada categoria de intermediário são definidos no plano do canal. Nesta atividade estabelecem-se objetivos intermédios das métricas para cada intermediário, para acompanhar ao longo do ano, de forma a conseguir atingir os objetivos anuais que podem ser superiores, iguais ou inferiores aos da categoria, consoante o potencial do intermediário. |
ACOMPANHAR | O acompanhamento dos intermediários é a atividade que consome mais tempo dos gestores comerciais e deve ser gerida de acordo com a abordagem “duplo Pareto” (ver acima). Envolve, não exaustivamente:
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RECOMPENSAR | Quando o intermediário pertence à cadeia de abastecimento (por exemplo um retalhista), a componente principal da sua remuneração é a margem de comercialização, que é a diferença entre o preço de venda ao cliente (a jusante) e o preço de compra ao produtor (a montante). Quando o intermediário não pertence à cadeia de abastecimento, mas apenas à cadeia de vendas (por exemplo um mediador de seguros), a componente principal da sua remuneração é a comissão de venda. Tanto as margens de comercialização como as comissões de venda têm de ser suficientemente atrativas para o intermediário vender a oferta do produtor. Além disso, os produtores também podem incluir outras componentes na remuneração dos intermediários, por exemplo incentivos e/ou patrocínios, que por sua vez podem ser monetários ou em espécie. Já nem o céu é o limite no que toca à imaginação sobre a tipologia de incentivos e patrocínios que se podem dar aos intermediários (já é possível oferecer viagens ao espaço). |
EVOLUIR | O objetivo desta atividade é atualizar a categoria dos intermediários, considerando a possibilidade de evolução e a necessidade de despromoção. É do interesse mútuo do produtor e do intermediário ter a categoria mais avançada possível, porque isso representa melhores condições para o desenvolvimento do negócio, mas é indispensável fazer uma atualização periódica da categoria de cada intermediário porque isso influencia a alocação de tempo dos gestores comerciais, o que é crítico para o sucesso da parceria. |
APRENDER | Aprender significa adquirir conhecimento, compreensão e habilidades por meio da análise e reflexão sobre a experiência acumulada. Aprender é um esforço de equipa, requer monitorização constante, discussão e análise de sucessos e fracassos e partilha de conhecimento com os intermediários. |
Nas empresas produtoras mais sofisticadas, o ciclo de canais é suportado em sistemas PRM (partner relationship management), que estão integrados com os sistemas CRM (customer relationship management), de produção e financeiros.
Curiosamente, a maioria das empresas produtoras gere as atividades do ciclo de canais de forma desarticulada e sem integração de sistemas:
Ser a primeira escolha dos intermediários
Executar adequadamente as atividades do ciclo de canais permite (em teoria) ser a primeira escolha dos seus intermediários, no entanto (na prática) isso é impossível sem que os seus gestores comerciais ganhem a confiança deles e a desenvolvam continuamente.
Para ganhar e desenvolver a confiança dos intermediários, além de executar as atividades do ciclo de canais, é preciso que os seus gestores comerciais cumpram três requisitos:
Os dois primeiros requisitos são relativamente simples, embora exijam um esforço constante de atualização do conhecimento. O terceiro requisito é mais complexo e, além da execução das atividades do ciclo de canais, exige manter uma relação profissional próxima:
A sua empresa tem vários benefícios ao usar o ciclo de canais para gerir o relacionamento com os seus intermediários:
O efeito combinado destes benefícios é impulsionar o crescimento do negócio dos seus intermediários e, consequentemente, o da sua empresa. O seu canal de vendas passa a funcionar como uma máquina, com todos os seus componentes perfeitamente alinhados.
Além disso, o ciclo de canais tem uma vantagem visual. A relação com os seus intermediários não é mais um processo de vendas com início e fim, mas sim um ciclo interminável de melhoria contínua favorecido pela atividade de aprendizagem.
Conclusão
O ciclo de canais é um conceito inovador, baseado em muitos anos de pesquisa das melhores práticas em todo o mundo em todos os tipos de negócios intermediados. Ao implementá-lo, a sua empresa utiliza uma ferramenta importante para obter vantagem competitiva sobre os seus concorrentes.
Agora já sabe como ser a primeira escolha dos seus intermediários, impulsionando o seu crescimento e o da sua empresa.
Filipe Simões de Almeida
Managing Partner, FI Consulting
Publicado em 4-Mai-2022